quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

MAVERICK

ASCENSÃO, QUEDA E REDENÇÃO
Símbolo de status. Objeto de desejo. Beberrão. Obsoleto. Renegado. Marginalizado. Esquecido. Raro. Cult. Cobiçado.
O lendário Ford Maverick.
 Altos e baixos marcaram sua história, que foi, acima de tudo, de sobrevivência.

Foto de época, divulgação oficial do lançamento do Ford Maverick brasileiro

Seu lançamento causou furor no mercado automobilístico nacional e na imprensa especializada da época, onde a algum tempo já se cogitava que o Ford Maverick poderia ser produzido no Brasil.

Quando isso realmente se tornou realidade o entusiasmo era palpável: “De linhas caracteristicamente americanas, o Maverick chega a lembrar o Mustang da Ford, só que em escala menor. (...) No geral agrada, especialmente o GT, com suas rodas maiores, mais harmônicas”.
 A mesma revista Quatro Rodas, apenas três anos depois, afirma que, no quesito “estilo”, o Maverick GT “também já está ficando ultrapassado, devido ao uso de muita cor preta”.
Em 1978, a reportagem já deixa quaisquer sutilezas de lado para comentar a aparência da versão Super: “O desenho do carro é antigo e ultrapassado, aliviado pelas rodas e pneus largos e pela ausência de muitos frisos”.
De fato, em seu tempo, o Ford Maverick brasileiro obteve sucesso efêmero. Idealizado para ocupar um vácuo na linha de veículos da Ford, sua missão principal era dar combate ao bem-sucedido Opala da GM.
Outro objetivo dos executivos da empresa era fustigar a linha Dodge da Chrysler, sabidamente de nível superior.

Em abril de 1979, o último Ford Maverick produzido no Brasil, saia de fábrica, e dava fim ao primeiro perído da vida desse automóvel.
Por que a empolgação com o carro, tanto da mídia quanto do público, esmoreceu tão rapidamente?
Por que um dos maiores clássicos nacionais da atualidade não obteve êxito no mercado brasileiro em sua época?
Como um automóvel fracassado comercialmente, desperta tamanho interesse e admiração nos dias atuais?
Durante a década de setenta, o Maverick não obteve êxito em cativar o público, na verdade, os apreciadores do modelo que representava um esportivo impetuoso e potente sempre existiram, mas, a proposta original da Ford do Brasil não era exatamente criar um nicho exclusivo para um pequeno grupo de aficionados.
A idéia era estabelecer uma forte posição no mercado de carros médios, coisa que a fábrica não dispunha na época e, para isso, apostou todas as fichas no Maverick.
Ele seria o automóvel para brigar com o Opala por esta fatia do mercado; a ambição era consolidá-lo como um carro versátil, interessante tanto para a família quanto para o público que apreciava carros esporte. De fato, neste período, havia uma grande rivalidade e competição entre o Dodge Charger, Opala SS e Maverick GT.
Uma vez que o desempenho dos três praticamente se equivalia, a decisão de compra residia basicamente no gosto pessoal do consumidor. Neste aspecto, portanto, a versão GT cumpriu plenamente seu papel. Em um cenário de vertiginosa alta dos preços da gasolina, suas dificuldades de comercialização eram as mesmas enfrentadas pelos outros automóveis equipados com motores potentes da época (a família Galaxie; Dodge Dart, Charger e Magnum; Opala e Caravan seis cilindros). Entretanto, o mesmo não se pode dizer do restante da linha.
O Maverick seis cilindros mostrou-se um retumbante fracasso na medida em que deixava o carro totalmente desprovido de uma proposta coerente: não era referência de desempenho, muito menos um carro econômico para o uso diário. Este equívoco foi tão grave que a imagem de toda linha ficaria prejudicada.
Posteriormente, mesmo a introdução do moderno propulsor de quatro cilindros não foi suficiente para reverter o processo. Outras características também contribuíam para inviabilizar a pretensão dos executivos da Ford de fazer do Maverick um concorrente sério no mercado de médios.
No Brasil, ao invés de se contentar em lançar apenas o Maverick V8, a Ford buscou, forçosamente, imprimir uma versatilidade que o carro simplesmente não podia apresentar. Se o Maverick fracassou comercialmente, tal fato deveu-se exatamente à tentativa de usar a mesma plataforma para ser em um automóvel esportivo, familiar e econômico. As limitações são óbvias. Seu espaço interno era muito pequeno, o carro era muito pesado para ser realmente econômico com motor de quatro cilindros, o acabamento interno era inferior aos seus equivalentes, entre outras coisas.
Para o mercado brasileiro, o Maverick deveria ter sido lançado, inicialmente, apenas na versão V8, para depois contar com a possibilidade de introdução do 2.3 OHC.
O lançamento atabalhoado do modelo equipado com o motor 184 de seis cilindros acabou fazendo uma grande injustiça ao carro.
Assim como alguns artistas, que só alcançaram o pleno reconhecimento após a morte, “em vida”, o Maverick teve uma trajetória controversa.

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O FIM DA INTRIGA INTERNACIONAL
Curiosamente, nos EUA, devido às peculiaridades daquele mercado, o carro foi concebido para concorrer com o Volkswagen Fusca, e outros importados de pequeno porte.
Ao custo de cem milhões de dólares, foi um grande projeto da Ford, sem nenhuma garantia prévia de sucesso.

Foi produzido entre 1969 e 1977, deixando a expressiva marca de 2.586.675 unidades produzidas.

O verdadeiro anti-Fusca!
Capa da revista POPULAR MECHANICS - Agosto de 1969


Prometendo a mesma economia e mais desempenho
que os importados populares da época - revista Ford Time, 1969

Ao custo inicial de cerca de dois mil dólares, recorreu ao apelo popular, e utilizava em suas campanhas publicitárias a imagem do cowboy, destacando suas características genuinamente americanas, e a liberdade em seu estilo de vida, e consequentemente, de escolha.
Seria basicamente uma opção barata aos compactos importados, com o diferencial de oferecer o característico design em fastback, tão em moda na época.
Em outras palavras, o consumidor tinha a opção de ter na sua garagem uma divertida e despojada versão do Mustang, ao invés de algum pequeno carro europeu ou asiático de mesmo valor.


Propaganda do Maverick americano, 1970

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A FÓRMULA CONTRA A ROTINA
No Brasil, foi lançado em maio de 1973, ano em que a primeira crise do petróleo praticamente encerrava uma era da indústria automobilística mundial.


Propagandas em revistas da época destacavam os modelos e suas qualidades

Por aqui, havia inicialmente três versões: Super, Super Luxo e GT.
As duas primeiras eram equipadas, de série, com o antigo e problemático motor 184 de seis cilindros em linha, 3016 cc e 112 HP (SAE). O GT, por outro lado, até 1976,
só conhecia o lendário 302 de oito cilindros dispostos em “V”, 4.950 cc e 197 HP (SAE). Importado dos EUA, era o mesmo motor utilizado em algumas versões do Mustang.
A desinformação que se seguiu após o encerramento da produção disseminou alguns mitos sobre o carro.
Um dos mais populares afirma que o 302 era exclusivo do GT.

Infelizmente, não se dispõe de dados sobre a quantidade total de Mavericks que saíram de fábrica com o propulsor de oito cilindros, mas é indiscutível que este motor poderia equipar qualquer versão do carro, como opcional, à pedido do cliente.
Em verdade, muitos consumidores de perfil mais conservador não apreciavam a característica decoração da versão GT, preferindo a Super ou a Super Luxo equipada com o motor de oito cilindros.
Havia ainda a preferência de alguns pelo modelo de quatro portas, disponível à partir de novembro de 1973, também equipados com o motor V8.
Além disso, vários destes Mavericks V8 contavam com um opcional exclusivo: a transmissão automática.
Enquanto o small block importado dos EUA encantava os brasileiros pelo seu funcionamento macio, torque generoso e forte desempenho, o 184 herdado do antigo Aero-Willys (a Ford havia adquirido a Willys Overland do Brasil em 1968) desagradava gregos e troianos. A Ford reformulou o motor para aplicação no Maverick, mas alguns problemas crônicos ainda o perseguiam. O mais notório dizia respeito à refrigeração do último cilindro, que demandou um condenável improviso: uma mangueira externa foi introduzida para a passagem de água, e evitava que o motor esquentasse a ponto de fundir, após rodar algumas dezenas de metros.
Para piorar, havia ainda o problema do alto consumo de combustível do seis cilindros. Entregava um desempenho muito inferior, mas gastava praticamente tanto quanto o V8. Isso foi suficiente para criar, em pouco tempo, uma imagem bastante desfavorável à linha Maverick, pois a grande maioria das versões comercializadas até aquele momento consistia das versões Super e Super Luxo equipadas com o seis cilindros. É interessante notar que a poderosa associação estabelecida posteriormente no imaginário popular entre o carro e consumo exagerado deveu-se não ao motor V8 (que equipou uma pequena parcela dos 108.106 Mavericks produzidos), mas ao 184.
De volta à década de 70, percebe-se que a causa desta fama pode ser atribuída à desastrada adoção do 184 de seis cilindros como principal motor do Maverick.
Uma pesquisa realizada pela Revista Quatro Rodas, em fins de 1974, evidenciou o descontentamento dos proprietários. “O motor de seis cilindros não tem arranque, desregula depois de rodar dois mil quilômetros e gasta muita gasolina” dizia um deles. Liderando as queixas específicas mais citadas estava exatamente o “alto consumo de gasolina” (47%). Este fator era o que mais pesava para os donos que afirmaram que não comprariam o Maverick novamente. Do total de entrevistados, apenas 43% declarou que compraria outro no futuro. Contudo, constatou-se também o maior apelo do carro junto ao público: 95% dos proprietários consideravam a estética do Maverick boa ou ótima.
A Ford apressou-se na tentativa de corrigir o erro do 184 com o lançamento do moderno motor Georgia, de quatro cilindros, em 1975. O propulsor desenvolvia 99 HP (SAE) a 5.400 RPM e contava com 2.300 cm3 de cilindrada total. O “Maverick 4” apresentava melhor performance,bem como, maior economia que seu predecessor.
Todavia, a reputação do carro já estava manchada, e apesar de uma discreta melhora nas vendas, o desempenho comercial do Maverick continuava aquém das expectativas dos executivos da Ford.


O motor Ford 2.3 OHC de 4 cilindros:  moderno e econômico.


Em 1977, o projeto ganhou um pouco de fôlego com uma série de modificações estéticas e mecânicas. A segunda fase de produção incorporou algumas melhorias que deixaram o carro mais interessante. No acabamento externo, todas as versões recebiam novas calotas, grades e lanterna traseiras. Internamente, a linha recebia bancos redesenhados, com regulagem milimétrica de encosto, assim como novas teclas de controle de farol e limpador de pára-brisa.
O Maverick GT passava a ostentar faixas ligeiramente diferentes e, como principal modificação no visual, havia um novo capô com falsas entradas de ar. Surgia também a versão LDO, que se distinguia das demais por frisos e refletores laterais exclusivos, além de acabamento interno mais refinado, geralmente combinando tons beges e marrons.



Propaganda oficial do lançamento da linha Maverick 1977


Outra novidade foi o lançamento do Maverick quatro cilindros automático. Essa versão, raríssima atualmente, ao contrário dos Maverick V8 equipados com este tipo de transmissão, contava com uma bela alavanca de mudanças no console. Reside aí outro ponto nebuloso da história do carro. Aparentemente, todos os Maverick V8 automáticos (tanto brasileiros quanto norte-americanos) possuíam a alavanca na coluna de direção, independente do ano de fabricação. Com o tempo, alguns proprietários passaram a usar o conjunto de trambulador do quatro cilindros automático para substituir os controles na coluna.

Não é de se espantar que, passados tantos anos, a adaptação passasse a ser considerada como “original de fábrica” ou “opcional” para os modelos produzidos à partir de 1977, fato que, certamente, nunca ocorreu.
Antes disso, indiscutivelmente, só havia Maverick automático equipado com o motor 302 V8, com a alavanca do câmbio montada na coluna de direção.

Não existem informações oficiais acerca da distribuição dos motores disponíveis para a linha (2.3 OHC e 302 V8) entre os carros produzidos. Entretanto, sem sombra de dúvida, o propulsor de quatro cilindros equipava a grande maioria dos Mavericks produzidos neste período. Na verdade, o motor de oito cilindros, de 1977 em diante, era um opcional, mesmo para a versão GT.
De qualquer forma, o Maverick continuava sem dar sinais contundentes de viabilidade comercial. Apesar das melhorias proporcionadas, o carro não conseguiu interromper o ritmo crescente de queda nas vendas. Após o pico máximo de produção em 1974 (34.770 unidades comercializadas), a cada ano o número de veículos vendidos decresceu até atingir a pífia marca de 4.757 em 1978.
Em abril do ano seguinte, encerrava-se o projeto outrora ambicioso: o Ford Maverick saia de linha, finalizando-se a produção de 1979, com meros 1.034 carros produzidos.

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A ERA DAS TREVAS
O verdadeiro ocaso veio algum tempo após o encerramento da produção; seguiu-se uma longa e escura noite para os Mavericks.
A segunda crise do petróleo estremecia novamente a economia mundial.

No front doméstico, a crise da dívida externa agravava ainda mais a situação. A década perdida estava apenas começando.
Nesta época, o preço de revenda de carros como o Maverick despencou a níveis ridiculamente baixos. Se o consumo era proibitivo, a manutenção tornou-se complicada com o fim da produção. Acostumado a freqüentar as amplas garagens de seus proprietários de classe média e alta, o Maverick passou a migrar para as ruas dos subúrbios e periferias dos grandes centros. A reputação agora era outra, era de carro marginalizado, mal-cuidado, esquecido.
Restava, porém, um pequeno lampejo dos bons tempos: alguns proprietários com iniciação nas corridas ainda o inscreviam em competições automotivas, mas a grande maioria da frota remanescente lentamente desaparecia em meio ao inexorável processo de desvalorização e abandono.
A dificuldade de obtenção de peças de reposição, levava à canibalização de modelos íntegros e a descaracterização generalizada.

Desmanches e prensas engoliram literalmente milhares de Mavericks.
Quando havia uma colisão, por exemplo frontal, procurava-se um carro que sofrera uma colisão traseira, cortava-se os dois ao meio, e enxertava-se, pra fazer apenas um.

Relatos do período informam que era relativamente comum a substituição do soberbo 302 V8 por motores de quatro cilindros, sendo que vários destes eram, para horror dos puristas, oriundos do antigo rival, o Opala. Tudo em busca de economia.

Poucos proprietários — como se esperassem por dias melhores — ainda mantinham seus Mavericks em condições impecáveis.


Difícil acreditar, mas são dois carros diferentes, um é o cofre do motor, o outro a parte traseira.

Esta situação perdurou por quase duas décadas até que, discretamente, o Maverick começou a retomar seu antigo brilho.


O Maverick dominava as pistas nas décadas de 70 e 80


O antigomobilismo começou a ganhar espaço no Brasil com a proliferação de encontros e publicações especializadas, e no despertar do século XXI, o Ford Maverick era um espécime raro na fauna automobilística nacional. De fato, o modelo havia praticamente desaparecido das ruas e passou a ser extremamente valorizado por colecionadores de carros antigos.
O legítimo Maverick GT V8 passou então a receber cotações estratosféricas no mercado de autos clássicos.


Raro registro de um grupo de Mavericks no autódromo de Interlagos em 1989
Um dos poucos clubes que se esforçavam para manter a memória do carro era o 468 Maverick Club de São Paulo

Outro fenômeno que também contribuiu para o resgate do carro foi o estabelecimento de diversas oficinas de preparação de motores, amparadas por novas tecnologias e filosofias de trabalho. Com o devido suporte de peças e know-how estrangeiros, os profissionais da área passaram a modernizar a mecânica de carros antigos, principalmente daqueles que, aqui no Brasil, são considerados muscle cars.


O Maverick BERTA-HOLLYWOOD ajudou a manter viva a lenda nas pistas brasileiras

No final, pode-se dizer que a revolução digital, a abertura dos mercados e o próprio processo de globalização favoreceram enormemente o surgimento de diversos grupos de aficionados por antigomobilismo e/ou alta performance que, por sua vez, apoiaram a vasta estrutura que hoje alimenta ambas as indústrias. Se antes não havia manuais técnicos, experiência disponível, ou serviços especializados na área de reparação e restauração automotiva, hoje existem as condições mínimas necessárias para a correta manutenção e atualização de automóveis do passado. Assim, da mesma forma como o Ford Maverick tornou-se um dos carros antigos nacionais mais cobiçados entre os colecionadores, também passou a ser um dos preferidos para preparação de motores desta nova geração de mecânicos e técnicos.
Como não existe almoço grátis, do abandono à valorização, houve um processo inflacionário de tudo relacionado ao carro. Hoje, peças originais difíceis de serem encontradas são vendidas a peso de ouro. Mas como houve um grande interesse pelo Maverick nos últimos anos, infelizmente o número de carros e peças disponíveis é muito menor que a quantidade de pessoas que os disputam no mercado.
Atualmente, quem tem Maverick sabe o que significa rodar com o carro nas ruas: as pessoas olham admiradas, curiosas, nostálgicas e surpresas em vê-lo novamente.
O certo é que poucos ficam indiferentes à presença dele.
É preciso ter uma boa dose de paciência para responder todas as perguntas, e ouvir os comentários dos que não se contentam apenas em observá-lo.


3º Encontro Maverick Clube Do Brasil em Interlagos, Março de 2009
Mais de 25 Mavericks se reuniram no templo do automobilismo

Hoje, o significado do Maverick corresponde à sua verdadeira vocação, um carro que insiste em ser um estranho no ninho, que se coloca fora dos padrões e clichês tradicionais de um mercado repleto de monotonia e modismos duvidosos.
Ele, finalmente, ocupa o posto que lhe foi negado no passado.
O Ford Maverick é um ícone renegado, um belo clássico mal-compreendido, que deixou tanto seus antigos concorrentes, quanto os modernos esnobes de agora, à sombra de seu brilho ofuscante e irresistível.

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